domingo, 4 de maio de 2008

Carta do seu pai pelo seu primeiro aniversário

Guaxupé, 03 de maio de 2008.

Meu filho bem-amado,

Amanhã você completa seu primeiro ano de vida na carne. Sua mãe teve
a boa idéia de fazermos uma espécie de livrinho de aniversário, em que
cada pessoa que vier à sua festinha possa colocar uma mensagem ou
recadinho para você, ou simplesmente assinar o nome. Eu e ela decidimos
escrever para você uma cartinha, que não será lida por outras pessoas.
Acho que só poderá ler essa missiva daqui a cinco anos, mas seu
sentido pleno ainda te escapará. Talvez, quando for um homem adulto e pai
de família, consiga aquilatar a importância sua para mim e sua mãe.
Antes de efetivamente encarnar, você veio e se foi, não uma nem duas vezes, e
isso aumentou nosso desejo de o ter conosco. Ao nascer, como à altura de
ler esta carta você já deverá saber, incúria médica te levou a aspirar
mecônio. Sua primeira noite de vida, para mim, foi dicotômica. De um
lado, eu experimentava uma alegria inédita, uma emoção indescritível, ao
mesmo tempo em que havia o temor imenso de que você "fosse bóia", para
usar a linguagem que você utilizava quando era um espírito reduzido.
Naquela madrugada de sábado, sozinho em casa, eu pedi a Deus que não te
levasse, que antes buscasse a mim, que já vivera bastante.
Os dias no Sinhá Junqueira foram difíceis, mas logo que cheguei lá
eu soube que você ficaria bom. O lugar tinha - e espero que ainda tenha
- uma atmosfera diferenciada, originada do amor com que a maioria dos
seus profissionais trabalhavam. Eram médicos e enfermeiras
atenciosíssimos e pudemos te trazer para casa, em treze de maio, dia das
mães.
Como poderia te descrever a alegria de entrar contigo nos braços em
casa? Fiz questão absoluta de o fazer. Para mim, foi como se você
estivesse nascendo naquela hora, o primeiro momento realmente feliz após
o seu tenso nascimento, naquele hospital frio e de médicos vacilantes.
Passei contigo por todos os cômodos internos, explicando o que era e
para que servia cada um.
Vieram os primeiros meses, muito mais fáceis e plenos de alegria do
que nos diziam que seriam. Você acordava muito pouco à noite e, apesar
de um refluxo que demorou a ser diagnosticado, teve bastante saúde e um
desenvolvimento normal. Com menos de três meses, você já conseguia rir
com barulho, dentro do seu berço-cercado, com suas mãozinhas, que você
parecia adorar exibir, cobertas de luvinhas e às vezes estendidas em
nossa direção.
Com menos de cinco meses, você já sustentava a cabeça, mesmo de
bruços. Aos sete, começou a engatinhar, em João Pessoa, em um clube
chamado Astre. Dois dias antes de fazer seis meses, você soltou, pela
primeira vez, em seqüência, "papa" e "mamã".
Agora você já quase anda. Na verdade, já sabe andar, mas ainda é um
pouco receoso. Conseguiu, uma vez, caminhar uns dois metros, sem
qualquer apoio. É uma coisinha bonita, alegre e barulhenta. Muitas vezes,
quando é contrariado ou está com muito sono, grita enormemente, o que
acaba me irritando.
Não sei por que estou escrevendo sobre essas coisas, que, quando ler
essa carta, eu certamente já te terei contado. Creio que me faz bem
lembrar do que ora te relato.
Quero, meu Tinzinho, agradecer-te por toda a alegria que me trouxe
nesse seu primeiro ano, pleno de ternura e bons momentos. Será indelével
em meu espírito a doce sensação de pôr os lábios nos seus cabelos,
enquanto você mama um mamadeirão. É das impressões mais ternas pô-lo nos
braços para te carregar para o bercinho, quando dorme. Quase sempre sou eu
que o faço e, quando é outra pessoa, você muitas vezes se assusta e
acorda. É suave e bom ter sua mão quentinha segurando um dedo meu,
enquanto você dá seus passinhos, agora já quase firmes, mas antes
trôpegos.

Que poderia te desejar nesse primeiro aniversário? Que consiga
alcançar seus objetivos, tão singelos quanto importantes: andar, falar e
usar cuequinha, antes dos dois anos. Creia que conseguirá e que estarei
contigo, passo a passo, assim como pretendo te acompanhar pela vida a
fora. Deus confiou-te a mim e, quando eu me for, quero ter a certeza de
que fiz tudo que estava ao meu alcance para te auxiliar na sua
caminhada, que terá percalços, como a de qualquer um. Meu desejo é que
você saiba sempre se levantar, quando vierem os golpes da vida. Não te
prepararei para ser um homem de sucesso material. A muitos pais tal
afirmação pareceria falta de amor ou loucura, quem sabe ausência de
responsabilidade paternal. Não se trata de nada disso. As experiências
que tive nos últimos quatro anos, aliadas ao meu histórico
reencarnatório, mostraram-me que um filho deve ser educado para ser um
homem de bem, só isso. Se conseguirmos, juntos, que você confirme suas
boas tendências e vença as más, poderemos nos considerar grandes
vitoriosos. Hoje, enquanto muitos pais, em meu lugar, já estariam
preocupados com sua faculdade, com como conseguiriam pagar seus cursos
disso e daquilo, eu penso em como será bom quando pudermos jogar
xadrez, futebol, baralho e banco imobiliário, se gostar dessas coisas.
Talvez te falte o luxo, o supérfluo, mas é pretensão minha e de sua mãe
que nunca te falte respeito de nossa parte e orientação para que saiba
respeitar a todos, inclusive a si mesmo. Não te faltarão ternura e
firmeza, dedicação e amizade.

Sua mãe e você são as pessoas vivas que mais me fazem feliz, que
tornaram mais leve minha existência nessa Terra de desvarios e frieza.
É claro que, ao ler essa carta, já terá percebido como eu e sua mãe
gostamos de brincar e inventar apelidos. Nesse seu primeiro ano, eu
inventei um monte: Tinzinho, Tinzinho Alegria, Tinzinho Camarada, Tim
Kevo, Tinzeira, Tinduim, Tinzeirinha, Zeira (a gente fala Zera), Pessoa,
"A criança", Bebezeira, QUevóquio, Kevêncio, Tinzoqueirinha, Queveira.
Devo ter me esquecido de algum. Perceberá, com o tempo, que só ponho
apelidos em pessoas de que gosto muito e com quem me sinto à vontade.
Também já deve ter notado que eu só "judio" daqueles a quem muito amo.
Não é por outro motivo que te mordo e aperto.

Que mais posso te dizer? Seja feliz, não com os excessos ilusórios e
transitórios do mundo, mas com o simples, a leveza, o inofensivo, a
presença de quem te ama e a consciência tranqüila. Viva de modo
que ela te deixe em paz.

Com todo meu amor,

Papai